sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Surpresa

Nem só de polvo vive este meu quotidiano salgado. Cada dia no Mar é um dia diferente. Por vezes, a surpresa acontece. O nosso regresso a terra foi brindado pela companhia de vários golfinhos. Fintavam a proa. Curiosos. Velozes. Graciosos. Olhavam para mim. Eu olhava para eles. Deixei a minha sandes a meio. Não me importei. Quando entenderam, mudaram de rumo e seguiram as suas vidas, ao encontro do restante grupo. Livres.

Livres
 
(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Dança

Rajadas de Oeste marcaram o ritmo da labuta de hoje. Atrevo-me a dizer que quem não sabe dançar, depressa começaria a mexer as pernas e a apanhar o jeito das vagas. O vento, esse, assobiava nos ouvidos. Os olhos ardiam, a boca tinha um sabor diferente, o nariz pingava e a barba desafiava qualquer esfregão de arame. Era o sal. O azul fundia-se no cinzento e a dança continuava. Mas não fomos os únicos bailarinos...

Bailarino

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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Regresso

A semana terminou. Foi mais curta. Houve mão do vento, forte, muito forte, que se fez sentir. Só houve condições para duas fainas. A vida no Mar é assim mesmo: todos os dias são diferentes e nada é garantido. Cada viagem é sempre um desafio e uma surpresa. Quando o polvo falha ou a meteorologia não ajuda, temos de nos conformar. No entanto, um simples regresso a terra pode revelar uma nova tela, repleta de tons vivos e resplandecentes. A maresia toca a sua melodia e deixamo-nos embalar. E é tão fácil perder-me no horizonte.

 Tons

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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Lendário

Fúria. Inclemência. Revolta. A Força, pura, toda ela da Natureza. Um gáudio para os meus sentidos. Vida. E sentir o privilégio de ali estar, de ser respeitosa testemunha de tal manifestação dos elementos. Ali, na ponta do lendário promontório, vive um monstro adormecido, indiferente à passagem das eras. Não é uma serpente marinha. De sereia tem muito pouco. Acredito que o Adamastor lhe faria uma genuína vénia. Ganha vida com a investida das ondas. Mas não as deixa tomar o seu território. Sente-as nas suas entranhas, firme, para logo de seguida as expulsar. O seu fogo é salgado. A sua ira é ensurdecedora. Até o próprio espectro fica estarrecido. Tudo isto sem precisar de abrir os olhos. A verdade é que os séculos vestiram-no de paciência e adornaram-no de sabedoria. Afinal, também existem dragões no Mar. Eu vi.

Dragão

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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Janela

Ainda não fomos ao Mar esta semana. Vento. Muito vento. Impaciente, observo o Mar pela janela. Tão perto e tão longe. O dia é diferente. O corpo começa a reclamar e a cabeça não é a mesma. Falta sal. A comida não tem o mesmo gosto. O descanso não tem o mesmo efeito. A soldo da noite ouço o rugir dos motores daqueles que já deixaram o porto. A meteorologia deverá dar tréguas. Esta madrugada zarpamos.
 
  Covo
 
(Text & Photo - Luís Pinto Carvalho - All Rights Reserved)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Acontece

É aqui que tudo acontece. A bordo do João Jorge. Cores vivas abraçam o Mar e o Céu. Navegamos, na nossa calma, rumo aos desígnios do dia-a-dia. Salgado. Envolvente. Mágico. De madeira engalanado, pequeno no oceano a perder de vista, grande na coragem com que enfrenta o destino. Nos dias mais agitados, veste-se de galhardia. Nos tempos de bonança, desliza pelas planícies de seda azul. Suave. Tranquilo. Confiante. Num ritmo muito próprio, vai contando milhas, encurtando distâncias. Reconhecemos o recorte da costa. Aumenta. Dobramos o Espichel. Falta pouco para chegar ao cais.

Rumo 

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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Dádiva

Eis uma arte de pesca, um ofício, que nos carimba o passaporte para viajarmos a um vasto e rico universo paralelo. Ele está ali, nas profundezas, sob o nosso corpo e a nossa alma. Permanece, ainda, misterioso e desconhecido. De quando em vez, uma surpresa, alegre, plena de vida e cor. É um véu que se levanta e o sentimento fica recheado de privilégio com a dádiva. O pequeno visitante cabe na unha de um polegar, mas consegue alimentar todo um imaginário. No seu regresso ao Mar, não consigo ficar indiferente à determinação e graciosidade com que se agarra à vida. Desce, desce e desce até se deixar perder de vista. Regressou a casa.

Curioso

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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Nada

Céu plumbioso. Mar calmo. Saímos do porto com a noite na almofada e chegámos à zona de pesca com o dia na cabeçeira. Homens a postos, máquinas a trabalhar e os covos a entrar. Polvo, nem sinal. Nada. Trocam-se poucas palavras. Rostos fechados. E o som da rádio na ponte de leme, lá longe, muito longe dos nossos ouvidos e preocupações. Polvo, nem sinal. Nada. Rumamos mais a Norte, mas a triste sina persegue-nos. O tempo passa e a esperança de uma boa pesca vai-se desvanecendo no nosso pensamento. Encetámos o caminho de volta mais cedo. Não havia mais nada a fazer. Hoje. Amanhã, o caminho é o mesmo.

Caminho

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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Olhar

Na aurora de um novo dia recolhemos as armadilhas, mais conhecidas por covos. São pequenas gaiolas. Atraem o polvo com caranguejo, cavala e boga. Têm uma entrada. Não têm saída. Homem e Polvo encontram-se na esquina da sobrevivência, embora com destinos diferentes. Sente-se um respeito. Finalmente, estamos ali, face a face. Reconheço o olhar de resignação, a consciência do fim. Continuo. Tenho de continuar.

Consciência

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domingo, 4 de janeiro de 2015

Octopus vulgaris

Escrevo estas palavras antes de embarcar. A Lua é companheira nesta viagem. Vou seguir a bordo da embarcação de pesca artesanal João Jorge. Somos três a dobrar o porto de Sesimbra, rumo à faina. O Mar espera por nós. Vamos à procura de polvo. E esta será a janela para que também possam vir connosco.

Companheira

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